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sábado, 26 de julho de 2008

Porta 1.999

...e tudo não passa de um corredor enorme. Algumas áreas iluminadas, outras mais escuras. O corredor tem 22 portas, porém uma ainda trancada, ao que me parece, dentro dela algo ainda está sendo construído. Cada porta tem sua numeração, começando por 1.986. As do fim do corredor parecem as menos iluminadas, só um feixe de luz. Procuro, então, uma mais iluminada. Eis que vejo uma, que me atrai por sua luz e o cheiro que exala...um cheiro de praia, de verão. Ao me aproximar escuto vozes, risadas, sons emitidos por alegria. Não me contenho em curiosidade e abro a porta pra saber o que tem ali dentro.

Descrição do que encontrei ao abrir a porta:

Havia um apartamento, recém comprado. Ainda com as paredes limpas e o chão brilhando. Uma família habitava o lugar, mas ainda tentava dar a sua cara ao ambiente. Tudo era tão claro, não havia cortinas, apenas uma na sala para evitar olhares de vizinhos curiosos.
A casa era pouco mobiliada, com poucos móveis novos, ao que me parece, todas as economias tinham sido usadas na compra do apartamento. Notei que não havia tapetes, acho que pela existência de um cachorro na família, mais precisamente uma cadela.
Ah, é verdade, não havia descrito as pessoas que ali moravam. Havia um casal e duas filhas, ainda uma "filha" caçula, a cadelinha.
Todos acordavam cedo, 5h mais ou menos, e tomavam café reunidos na mesa. A cadela ficava nos pés. Típica cena de família reunida, conversando ou brigando por algum motivo besta. O pai e a mãe, deixavam as meninas na escola e seguiam pro trabalho.
Depois da escola e do trabalho, a família voltava a se reunir para o almoço. Ao chegar em casa se deparavam com a presença de uma moça que trabalhava pra família, e da vizinha intrusa que já estava jogando come-come no computador. Era a vizinha-amiga da filha mais nova.
Como toda criança pré-adolescente de 6ª série, as duas não tinham muitos afazeres, passavam a tarde, praticamente, atualizando seus diários, recortando figuras de revistas, frases pra serem coladas e segredos a serem revelados apenas para as páginas do diário. A tarde passava num piscar de olhos.
De repente são 4h da tarde, um carro buzina lá embaixo. O coração da pirralha mais nova acelera, chegava a sua carona pra levar as duas irmãs pra natação. Ocupando o banco passageiro, junto ao seu pai, estava ali o seu primeiro amor. Óbvio que ele não sabia da existência do amor platônico alimentado apenas por ela, mas de nada adiantava, bastava os poucos momentos ali tão próximo.
O treino começava às 6h e só acabava às 8h. A natação era o esporte das meninas, embora nenhuma carreira aspirante fizesse parte do futuro delas.
A rotina de um dia se completava. Nos finais de semana, a piscina do apartamento era a atração durante o dia. De tardezinha, a calçadinha do bairro servia como lazer...a brisa do mar, a tranqüilidade do bairro e da praia, eram alimento para disposição e paz de espírito da família.
Tudo parecia tão em paz, a família tão feliz.
Não me arrependi nenhum minuto de ter escolhido aquela porta, ela era o que eu precisava ver e sentir. No entanto, tive que me desvencilhar daquela realidade e fechar a porta. A porta 1.999.
Esperar uma nova oportunidade de estar nesse corredor e entrar numa nova porta como esta.

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